Salve Nossa Senhora da Conceição Aparecida
Embora as expressões de Vida Consagrada sejam integrantes da história da Igreja, atualmente, muito se debate sobre as novas formas que surgiram e suas práticas. Questiona-se largamente se seriam adequadas, se as liberdades e prerrogativas seriam aceitáveis e, especialmente, o enquadramento do leigo, como ele se processaria e qual a natureza. Sabe-se que estes movimentos preconizam uma vida de entrega completa e total a Deus, seguindo o exemplo de Cristo e que boa parte de seus integrantes são leigos, integrados, incorporados e justificados pelo batismo. É natural, porquanto, que exista ainda certa resistência e questionamento porque, historicamente, a questão da participação do leigo somente foi mais positivamente tratada a partir do Concílio do Vaticano II, que abriu as portas para o reconhecimento e valorização do laicato e, especialmente, após a Exortação pós-sinodal Vita Consecrata, realizada no papado de João Paulo II, que é tida por muitos como um dos documentos emblemáticos a respeito da Vida Consagrada e, consequentemente dos leigos[1].
Estas comunidades dedicam-se ao exercício de um tipo de vida totalmente dedicado a Deus e são consideradas um dos modelos exemplares de prática do evangelho e da inspiração do mesmo na Terra, uma vez que reproduzem muito do modelo inicial que foi experimentado, ainda na presença de Cristo. A vida em comunidade é um dos pontos centrais e, em alguns casos, os consagrados repartem-se do mundo e abandonam tudo para viver em comunidades integrais ou, em outros, mantêm-se em atividade no espaço secular, mas compartilham de comunidades que valorizam os conselhos evangélicos e sua prática radical. Aliás, a prática radical e os votos são aspectos comuns nos dois tipos de vida consagrada, as comunidades de Vida e as de Aliança[2].
As novas formas de Vida Consagrada não são substitutivas às anteriores, tampouco as desmerecem – de mesmo modo que os carismas. A junção, a comunhão entre o antigo e o novo é, em verdade, um dos desafios presentes mais providenciais para a preconização do Evangelho, de modo que se possa atender às demandas de um mundo individualista, hedonista e egocêntrico, pautado no consumo, na sexualidade e na satisfação imediata. De um modo inspiracional, propõem uma forma de vida que vai contra estes princípios e orienta-se pela castidade, obediência e desprendimento. Em inúmeros documentos eclesiais, a questão da vida consagrada é vista de um modo positivo quanto ao seu papel referente ao engrandecimento e desenvolvimento da missão da Igreja. Contudo, o principal ponto de impasse é o leigo e a sua integração. As bases que permitem a sua participação ativa na forma destas comunidades e o exercício de seus votos e organização é unicamente o batismo e o chamado para a atuação nesse tipo de vida. O leigo não escolhe ser consagrado: assim como muitos na história da Igreja, ele é chamado para tanto e segue no atendimento a essa vocação divina. Por conta disso, há os votos, a organização própria e as regras são parte dessas vivências[3].
A Vida Consagrada para os leigos é orientada como uma forma especial e própria de vida devocional, na qual a entrega às orientações de Cristo é radical, pontual e completa. Os Conselhos Evangélicos e sua obediência são as bases e há preceitos bastante interessantes como o que coloca o Espírito Santo e o chamado para integrar este tipo de vida como orientações capacitantes. Então, uma vez escolhido o indivíduo e feito o chamado, sempre divino e nunca humano, ele, através da provisão celestial, é diligentemente preparado para ter o que necessita àquilo que lhe foi dado como missão. Estes movimentos encontram-se em pleno crescimento, seja pela demanda do mundo de uma resposta que vá conta aquilo que preconizam os valores atuais, seja pela determinação vocacional dos que ingressam nesta proposta de vida. O leigo, com isso, acabou ganhando representatividade e reconhecimento. Atualmente, ainda que rigidamente observados e normatizados, esses novos movimentos eclesiais são largamente valorizados como forma de disseminação da missão da Igreja e, portanto, apreciados. Se no passado, os Consagrados tinham por principal orientação a profecia e o serviço a Deus, atualmente, é a questão inspiracional e a proposição a um modelo de vida diferenciado, voltado ao sagrado e criado sob medida para as questões atuais mundanas é a proposição das novas formas de vida consagrada. Eles se diferem dos antigos e, também no que tange à postura do leigo e sua participação, respondem à realidade vivenciada no presente. Então, há a liberdade, o diálogo e a alegria, mas também um rico repertório de normas e formação para que possam corresponder fielmente à personalidade da Igreja e à sua identidade de fé cristã[4].
Considerando o novo e o antigo testamento, procurando contrapor como era a vida consagrada, percebe-se que antes ela ocorria pelo contato direto e ação objetiva de Deus em relação ao homem, mas que após Jesus, o exemplo e o desejo de seguir a Cristo passaram a ser o fator de orientação dessa decisão e objetivo.
E por qual razão a questão do leigo é tão importante de ser ressaltada e valorizada, a ponto de ser uma espécie de bandeira fundamental dos novos movimentos eclesiais? Porque em si, representa o fato de que o acesso a uma vida consagrada é possível para todos, desde que por Deus sejam escolhidos e que tenham o sacramento do batismo. Que questões de integração por parte de alguns do Clero não são barreiras para impedir a decisão de uma vivência consagrada. Além disso, evocam as bases primitivas do cristianismo e, bem mais que isso: outros, enquanto Cristo esteve na Terra, aderiram ao chamado de seguir a Cristo, modificando essencialmente suas vidas. Estes, em maioria, não eram do Clero ou hierarquia da Igreja: eram pessoas comuns que foram chamadas e modificaram a sua existência e orientação de suas vidas para rumar no caminho de Cristo. Se o Clero tem suas competências, mediante as quais exerce suas funções e permite o andamento geral da organização da Igreja, o leigo também tem suas prerrogativas e, cada qual a sua forma e espaço podem colaborar para a missão e para o anúncio do Evangelho. Então aqui novamente se frisa: a vida consagrada para leigos não tenta sobrepor-se às ordens religiosas ou movimentos preexistentes ou tradicionais. Apenas soma-se a eles, com sua natureza própria, mensagem e propósitos.
Então, a vida consagrada para leigos não é uma novidade ou inovação, mas parte da história e personalidade do cristianismo. A condição ativa do leigo, que o leva a contribuir grandemente às proposições da Vida Consagrada no presente, o posiciona como chave da disseminação do evangelho e aspecto missional da Igreja no presente. Não que a ação laical seja a grande e única solução ou expressão da Igreja no presente, mas ela faz parte do todo que se constitui na resposta de enfrentamento da fé cristã aos desafios do presente. E que também por essa razão, bem como por seu percurso histórico e geral, devem ser dignos de reconhecimento e alocação, valores que recebem da Igreja atual, com sua atenção e controle para garantir a fidelidade e identidade genuína dos novos movimentos[5].
Mas as perspectivas e os desafios presentes que encontram as novas formas de vida consagrada não são menores do que já foi a resistência ou desconhecimento acerca de sua origem e objetivos. Inseridas em um mundo que apregoa valores diferentes, completamente opostos aos que orientam, um dos maiores desafios que envolvem os novos movimentos eclesiais é o desenvolvimento de uma percepção apurada acerca da relação consagrado x aspectos seculares. Em busca de seguir o exemplo de Cristo e envolverem-se nas necessidades humanas e nos mais variados tipos de expressão de vida e escolhas, o consagrado pode insurgir-se em situações que venham a enfraquecer sua percepção e fé prática ou que, cedo ou tarde, possam trazer-lhe uma falsa percepção de segurança quanto a sua posição no segmento de Deus, fazendo com que abra mão da vigília constante. Por essa razão, esse desafio presente envolve o reavivamento do sentido de conflito, de batalha espiritual, tendo como eixo a ascese[6].
Nessa condição, em uma constante submissão e negação individual, o consagrado consegue perceber melhor os aspectos nos quais é menos favorecido e oferecer uma resposta e postura mais consistente. A adoração a Jesus sacramentado, a participação diária na Santa Missa, a leitura orante através da lectio Divina, a escuta da Palavra de Deus e oração constantes, bem como de desenvolvimento e formação contínuas, são as chaves para a purificação das relações seculares e diversas que terão de ser desenvolvidas no percurso da vida do leigo consagrado, para que não venham a comprometer a sua qualidade devocional[7].
A obediência, por sua vez, é outra chave fundamental que inclusive encontra-se inserida em uma proposta ascética de vida. É um desafio instituir nas novas comunidades uma percepção e comportamento constantes de desprendimento e entrega a Cristo, exceto pelo reconhecimento de que os convocados à vida consagrada devam entregar-se a um processo de formação constante, que os capacite e fortaleça. Os carismas dos fundadores e os que regem o exercício das práticas das comunidades devem ser mantidos sob fidelidade – outro desafio que requer o conhecimento, estudo e dedicação. Desenvolver a ação e o ambiente para que o Espírito Santo aja é outra condição desafiadora. É preciso que os fundadores ou aqueles que tenham assumido seus carismas maternais e paternais do avivamento da fé estejam atentos e aptos para atuarem no fortalecimento e orientação dos seus. Mais que desafios teóricos ou resistências, as novas formas de vida consagrada têm de enfrentar um cenário que requer do novo consagrado uma postura mais ativa e vigilante, para manter a resposta de atender e seguir radicalmente a Cristo diante deste mundo e de seus valores. Muitas das condições que devem ser superadas na vida consagrada para leigos encontram-se dentro das próprias comunidades, agora que a maior parte dos passos determinantes de reconhecimento já foi dada pelo clero e hierarquia da Igreja. São questões de definição e autoconhecimento cuja existência pode-se explicar de modo quase natural, mas que também a perspectiva é de uma resolução progressiva, conforme a própria personalidade desses movimentos for se definindo. É o caso da percepção desigual entre a natureza das comunidades, sejam elas de vida ou de aliança, pontuando uma ou outra como melhor ou pior, ao passo que idealmente deve-se progredir para a visão equiparada, dado que cada qual tem a sua importância e funcionalidade, uma vez que até mesmo o Espírito Santo não se manifesta de uma forma única e imutável[8].
Também se deve superar o desejo de autonomia e de não sujeição, desenvolvendo profunda e voluntariamente o pensamento da comunhão eclesial, atuando de modo parceiro e diligente com a Igreja e sua missão, participando ativamente da vida da comunidade em que se está inserido e de suas questões religiosas. A opção pela adesão da vida consagrada leiga não significa, de modo algum e em tempo algum, a adesão a uma vida contemplativa e estática, afastada da Igreja e destinada a orientações próprias, voluntariosa. Pelo contrário. Destina-se ao constante e nem sempre simples desenvolvimento de uma comunhão eclesial e identidade, bem como o cuidado com a mesma, para que os novos movimentos reflitam a missão, o Evangelho e a fé cristã[9].
Assim, temos então que o Consagrado encontra-se sempre em uma missão cujo objetivo é o Evangelho, a obediência e o segmento a Cristo, seja ele leigo ou não. Como leigo, tem o encargo de levar ao mundo o exemplo da possibilidade e da adesão de uma vida com Cristo de modo satisfatório, não penoso. Tem a missão de refletir o sentido de Jesus, como humilde, simples, obediente, contido, sábio e completamente entregue e sujeito a Deus e seus desígnios. Uma missão construída com oração, devoção/adoração, vida ascética e formação, não de um modo contemplativo e passivo, mas sim ativo e atuante.
Por: Eliana Dalva / Formadora Geral da AM.
Formada em Teologia no Instituto Teológico João Paulo II. Campo Grande - MS.
[1] Cf. JOÃO PAULO II. Vigília de oração presidida pelo Papa João Paulo II durante o Encontro dos Movimentos Eclesiais e das Novas Comunidades, 1998; LANDRON. Novo millennio ineunte, 2004.
[2] Cf. CONGREGAÇÃO PARA OS INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E AS SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA. Instrução O serviço da autoridade e a obediência. Faciem, domine, requeiram, 2008 e FRATERNIDADE DAS NOVAS COMUNIDADES DO BRASIL. Novas Comunidades: primavera da Igreja, 2008.
[3] Cf. RATZINGER. I Movimenti ecclesiali e la loro collocazione teologica. In: Pontificium Consilium pro Laicis. I Movimenti nella Chiesa – Atti del Congresso Mondiale dei Movimenti Ecclesiali, 2011; BERARDINO, Op. Cit., 2012 e FERREIRA. Op. Cit., 2011.
[4] Cf. FERREIRA. Op. Cit., 2011; JOÃO PAULO II. Op. Cit., 1998 e CONGREGAÇÃO PARA OS INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E AS SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA. Op. Cit., 2002.
[5] Cf. RATZINGER. I Movimenti ecclesiali e la loro collocazione teologica. In: Pontificium Consilium pro Laicis. I Movimenti nella Chiesa – Atti del Congresso Mondiale dei Movimenti Ecclesiali, 2011.
[6] Cf. JOÃO PAULO II. Op. Cit., 1996, 38.
[7] Ibidem.
[8] Cf. JOÃO PAULO II. Op. Cit., 1998, n. 7.; FERREIRA. Op. Cit., 2011 e CONGREGAÇÃO PARA OS INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E AS SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA. Op. Cit., 2002.
[9] Cf. FERREIRA. Op. Cit., 2011, citação retirada de síntese geral de documento, sem fixação específica.
Leia mais: http://www.comunidade-amormaior.com/news/sob-o-olhar-da-vida-consagrada-para-leigos/
-----Pax et Bonnum-----
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